domingo, 30 de outubro de 2011

Do que sou


Escreverás meu nome com todas as letras, 
com todas as datas
—  e não serei eu.


Repetirás o que me ouviste,
o que leste de mim, e mostrarás meu retrato
— e nada disso serei eu.

Dirás coisas imaginárias,
invenções sutis, engenhosas teorias

— e continuarei ausente.

Somos uma difícil unidade,
de muitos instantes mínimos
—  isso serei eu.

Mil fragmentos somos, em jogo misterioso,
aproximamo-nos e afastamo-nos, eternamente.
— Como me poderão encontrar?

Novos e antigos todos os dias,
transparentes e opacos, segundo o giro da luz

— 
nós mesmos nos procuramos.

E por entre as circunstâncias fluímos,
leves e livres como a cascata pelas pedras.
—  Que mortal nos poderia prender?


(Cecília Meireles)

 

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