segunda-feira, 30 de maio de 2011

Não te negues, minha sede é clara!




"Preciso sim, preciso tanto. Alguém que aceite tanto meus sonos demorados quanto minhas insônias insuportáveis. Que me desperte com um beijo, abra a janela para o sol ou a penumbra. Tanto faz, e sem dizer nada me diga o tempo inteiro alguma coisa como eu sou o outro ser conjunto ao teu, mas não sou tu, e quero adoçar tua vida. Preciso do teu beijo de mel na minha boca de areia seca, preciso da tua mão de seda no couro da minha mão crispada de solidão. Preciso dessa emoção que os antigos chamavam de amor, quando sexo não era morte e as pessoas não tinham medo disso que fazia a gente dissolver o próprio ego no ego do outro e misturar coxas e espíritos no fundo do outro-você, outro-espelho, outro-igual-sedento-de-não-solidão, bicho-carente, tigre e lótus. Preciso de você que eu tanto amo e nunca encontrei. Para continuar vivendo, preciso da parte de mim que não está em mim, mas guardada em você que eu não conheço.
Tenho urgência de ti, meu amor. Para me salvar da lama movediça de mim mesmo. Para me tocar, para me tocar e no toque me salvar. Preciso ter certeza que inventar nosso encontro sempre foi pura intuição, não mera loucura. Ah, imenso amor desconhecido. "

(Caio Fernando Abreu)

domingo, 29 de maio de 2011

Por isso sou só palavras extravazadas...



A palavra contida define o poeta, quando se encantam.
A palavra contida encarcera a alma, se não se exibe.
A palavra contida soa tanto mais forte 
quanto a credulidade de quem a cogita.
A palavra contida fere tão forte quanto a proferida, 
dependendo do sentimento específico de quem a resguarda.
A palavra contida machuca tão fundo quanto a então dita, 
em razão direta da iniquidade de quem se cala, ou fala.
A palavra contida empobrece o espírito, se não se mostra.
A palavra contida explode a razão e o coração, se não se lança.
A palavra contida decreta o rumo do autor, quando transborda.
A palavra contida constrói poesia, quando extravasa.

(Tácito Sanglard)

As palavras de mim jorram, sem controle, e cessam a minha febre de sentir, transmigrando-a aos demais...

sábado, 28 de maio de 2011

"Não tenho paredes, só tenho horizontes!" (Mário Quintana)



"Já não sou o mesmo caminho esperando numa demora, horizontes.
Sou só uma vontade boba invadindo o abraço,
deixando na boca um coração que não sabe amar superfícies."

(Priscila Rôde)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Não, eu não estou à venda!



"Então, não perca seu tempo comigo...
Eu não sou um corpo que você achou na noite.
Eu não sou uma boca que precisa ser beijada por outra qualquer.
Eu não preciso do seu dinheiro. Muito menos do seu carro.
Mas, talvez, eu precise dos seus braços fortes. 
Das suas mãos quentes.
Do seu colo pra eu me deitar. Do seu conselho quando meu lado menina não souber o que fazer do meu futuro...
Eu não vou te pedir nada. Não vou te cobrar aquilo que você não pode me dar.
Mas uma coisa, eu exijo: quando estiver comigo, seja todo você. Corpo e alma!
Às vezes, mais alma... Às vezes, mais corpo...
Mas, por favor, não me apareça pela metade. 
Não me venha com falsas promessas.
Eu não me iludo com presentes caros. Não, eu não estou à venda!
Eu não quero saber onde você mora, 
desde que você saiba o caminho da minha casa.
Eu não quero saber quanto você ganha, quero saber se você ganha o dia quando está comigo!"

(Caio Fernando Abreu)

quarta-feira, 25 de maio de 2011

"Porque eu só preciso de pés livres, 
de mãos dadas
e olhos bem abertos." 
(Guimarães Rosa)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

 
"Eu gosto de olhos que sorriem, 
de gestos que se desculpam, 
de toques que sabem conversar
e de silêncios que se declaram."
 
(Machado de Assis)

"Até morrer estarei enamorada
de coisas impossíveis..."

(Cecília Meireles)

domingo, 22 de maio de 2011

Namore uma garota que lê...



Namore uma garota que gasta seu dinheiro em livros, em vez de roupas. Ela também tem problemas com o espaço do armário, mas é só porque tem livros demais. Namore uma garota que tem uma lista de livros que quer ler e que possui seu cartão de biblioteca desde os doze anos.
Encontre uma garota que lê. Você sabe que ela lê porque ela sempre vai ter um livro não lido na bolsa. Ela é aquela que olha amorosamente para as prateleiras da livraria, a única que surta (ainda que em silêncio) quando encontra o livro que quer. Você está vendo uma garota estranha cheirar as páginas de um livro antigo em um sebo? Essa é a leitora. Nunca resiste a cheirar as páginas, especialmente quando ficaram amarelas.
Ela é a garota que lê enquanto espera em um Café na rua. Se você espiar sua xícara, verá que a espuma do leite ainda flutua por sobre a bebida, porque ela está absorta. Perdida em um mundo criador pelo autor. Sente-se. Se quiser ela pode vê-lo de relance, porque a maior parte das garotas que leem não gostam de ser interrompidas. Pergunte se ela está gostando do livro.

Compre para ela outra xícara de café.
Diga o que realmente pensa sobre o Murakami. Descubra se ela foi além do primeiro capítulo da Irmandade. Entenda que, se ela diz que compreendeu o Ulisses de James Joyce, é só para parecer inteligente. Pergunte se ela gosta ou gostaria de ser a Alice.
É fácil namorar uma garota que lê. Ofereça livros no aniversário dela, no Natal e em comemorações de namoro. Ofereça o dom das palavras na poesia, na música. Ofereça Neruda, Sexton Pound, cummings. Deixe que ela saiba que você entende que as palavras são amor. Entenda que ela sabe a diferença entre os livros e a realidade mas, juro por Deus, ela vai tentar fazer com que a vida se pareça um pouco como seu livro favorito. E se ela conseguir não será por sua causa.

É que ela tem que arriscar, de alguma forma.
Minta. Se ela compreender sintaxe, vai perceber a sua necessidade de mentir. Por trás das palavras existem outras coisas: motivação, valor, nuance, diálogo. E isto nunca será o fim do mundo.
Trate de desiludi-la. Porque uma garota que lê sabe que o fracasso leva sempre ao clímax. Essas  garotas sabem que todas as coisas chegam ao fim.  E que sempre se pode escrever uma continuação. E que você pode começar outra vez e de novo, e continuar a ser o herói. E que na vida é preciso haver um vilão ou dois.
Por que ter medo de tudo o que você não é? As garotas que leem sabem que as pessoas, tal como as personagens, evoluem. Exceto as da série Crepúsculo.

Se você encontrar uma garota que leia, é melhor mantê-la por perto. Quando encontrá-la acordada às duas da manhã, chorando e apertando um livro contra o peito, prepare uma xícara de chá e abrace-a. Você pode perdê-la por um par de horas, mas ela sempre vai voltar para você. E falará como se as personagens do livro fossem reais – até  porque, durante algum tempo, são mesmo.
Você tem de se declarar a ela em um balão de ar quente. Ou durante um show de rock. Ou, casualmente, na próxima vez que ela estiver doente. Ou pelo Skype.
Você vai sorrir tanto que acabará por se perguntar por que é que o seu coração ainda não explodiu e espalhou sangue por todo o peito. Vocês escreverão a história das suas vidas, terão crianças com nomes estranhos e gostos mais estranhos ainda. Ela vai apresentar os seus filhos ao Gato do Chapéu [Cat in the Hat] e a Aslam, talvez no mesmo dia. Vão atravessar juntos os invernos de suas velhices, e ela recitará Keats, num sussurro, enquanto você sacode a neve das botas.
Namore uma garota que lê porque você merece. Merece uma garota que  pode te dar a vida mais colorida que você puder imaginar. Se você só puder oferecer-lhe  monotonia, horas requentadas e propostas meia-boca, então estará melhor sozinho. Mas se quiser o mundo, e outros mundos além, namore uma garota que lê.
Ou, melhor ainda, namore uma garota que escreve.

Texto original: Date a girl who reads – Rosemary Urquico
Tradução e adaptação – Gabriela Ventura

terça-feira, 17 de maio de 2011



"Minha solidão não tem nada a ver com a presença 
ou ausência de pessoas… 
Detesto quem me rouba a solidão,
sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia..."

(Friedrich Nietzsche)

** Nietzsche estava certíssimo, pena que poucas pessoas pensem assim, muitas ainda preferem companhias vazias: de conteúdo, de sentimento, de luz; somente para não se verem sozinhas. Acham que ter a si próprio é que é vazio/solidão... e na verdade na maioria das vezes sozinha é que me descubro mais, me divirto e me alegro com o que consigo extrair de mim mesma... Companhia tem que ser de qualidade: intelectual, alto astral, cujo até o silêncio seja formativo, que nos traga o que há de melhor do outro e de nós mesmos... Assim se for pra nada me acrescentar, prefiro ficar com meus botões! 
Velha mas vale: Antes só do que mal acompanhada! **

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Eu, modo de usar



Pode invadir ou chegar com delicadeza,
mas não tão devagar que me faça dormir.
Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar.
Acordo pela manhã com ótimo humor mas...
Permita que eu escove os dentes primeiro.
Toque muito em mim, principalmente nos cabelos  
e minta sobre minha nocauteante beleza.

Tenho vida própria, me faça sentir saudades,
conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas 
e nem seja preconceituoso, não perca tempo, cultivando este tipo de herança de seus pais. 
Viaje antes de me conhecer, 
sofra antes de mim para reconhecer-me um porto,
um albergue da juventude. 
Eu saio em conta, você não gastará muito comigo.
Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, 
elas serão raras e sempre por uma boa causa.
Respeite meu choro, me deixe sózinha, 
só volte quando eu chamar e,
não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada. 
( Então fique comigo quando eu chorar, combinado?).

Seja mais forte que eu e menos altruísta!
Não se vista tão bem... Gosto de camisa para fora da calça,
gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. 
Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto:
boca, cabelos, os pelos do peito e um joelho esfolado,
você tem que se esfolar às vezes, mesmo na sua idade.

Leia, escolha seus próprios livros, releia-os.
Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos.
Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, 
não de boate que isto é coisa de gente triste.
Não seja escravo da televisão, nem xiita contra.
Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. 
Escolha um papel para você que ainda não
tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.

Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça uma louca boa, 
uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: 
loba, boba, rouca, boca...
Goste de música e de sexo. 
Goste de um esporte não muito banal.
Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa,
apresentar sua familia... Isso a gente vê depois ... se calhar ...
Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora.

Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres,
tenha amigos e digam muitas bobagens juntos.
Não me conte seus segredos... Me faça massagem nas costas.
Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções.
Me rapte!

Se nada disso funcionar ... 
Experimente me amar! 

 (Martha Medeiros)

Quando menos se merece

 
... "Procure me amar quando eu menos merecer,
porque é quando eu mais preciso."

Falamos e ouvimos à beça sobre o amor desde pequenininhos, já sabedores ou não do que se trata ou minimamente da vizinhança disso. E, apesar das nossas singularidades, costumamos ter pelo menos um desejo comum: queremos amar e ser amados. Amados, de preferência, com o requinte terno da incondicionalidade. Na celebração das nossas conquistas e na constatação dos insucessos. No apogeu do nosso vigor e no tempo do nosso encolhimento. Na vez da nossa alegria e no alvorecer da nossa dor. Na prática das nossas virtudes e no embaraço das nossas falhas. Mas não é preciso viver muito para percebermos que não é assim que o amor, na prática, costuma acontecer.

Temos facilidade para amar o outro nos seus tempos de harmonia. Quando realiza. Quando progride. Quando sua vida está organizada e seu coração está contente. Quando não há inabilidade alguma na nossa relação. Quando ele não nos desconcerta. Quando não denuncia a nossa própria limitação. A nossa própria confusão. A nossa própria dor. Fácil amar o outro aparentemente pronto. Aparentemente inteiro. Aparentemente estável. Que quando sofre, para não incomodar, por costume ou vaidade, não faz ruído algum.

Fácil amar aqueles que parecem ter criado, ao longo da vida, um tipo de máscara que lhes permite ter a mesma cara quando o time ganha e quando o cachorro morre. Fácil amar quem não demonstra experimentar aqueles sentimentos que parecem politicamente incorretos nos outros e absolutamente justificáveis em nós. Fácil amar quando somos ouvidos mais do que nos permitimos ouvir. Fácil amar aqueles que vivem noites terríveis, mas na manhã seguinte se apresentam sem olheiras, a maquiagem perfeita, a barba atualizada.

É fácil amar o outro na mesa de bar, quando o papo é leve, o riso é farto, e o chope é gelado. Nos cafés, após o cinema, quando se pode filosofar sobre o enredo e as personagens com fluência, um bom cappucino e pão de queijo quentinho. Nos corredores dos shoppings, quando se divide os novos sonhos de consumo, imediato ou futuro. É fácil amar o outro nas férias de verão, no churrasco de domingo, nos encontros erotizados, nas festas agendadas no calendário do de vez em quando.

Difícil é amar quando o outro desaba. Quando não acredita em mais nada. E entende tudo errado. E paralisa. E se vitimiza. E perde o charme. O prazo. A identidade. A coerência. O rebolado. Difícil amar quando o outro fica cada vez mais diferente do que habitualmente ele se mostra ou mais parecido com alguém que não aceitamos que ele esteja. Difícil é permanecer ao seu lado quando parece que todos já foram embora. Quando as cortinas se abrem e ele não vê mais ninguém na plateia. Quando até a própria alma parece haver se retirado.

Difícil é amar quando já não encontramos motivos que justifiquem o nosso amor, acostumados que estamos a achar que o amor precisa estar sempre acompanhado de explicação plausível, estatísticas promissoras, balancetes satisfatórios. Difícil amar quando momentaneamente parece existir somente apesar de. Quando a dor do outro é tão intensa que a gente não sabe o que fazer para ajudar. Quando a sombra se revela e a noite se apresenta muito longa. Quando o frio é tão medonho que nem os prazeres mais legítimos oferecem algum calor. Quando ele parece ter desistido principalmente dele próprio.

Difícil é amar quando o outro nos inquieta. Quando os seus medos denunciam os nossos e põem em risco o propósito que muitas vezes alimentamos de não demonstrar fragilidade, vulnerabilidade, invencibilidade, lógica. Quando a exibição das suas dores expõe, de alguma forma, também as nossas, as conhecidas e as anônimas, as antiquíssimas e as recém-nascidas. Quando o seu pedido de ajuda, verbalizado ou não, exige que a gente saia do nosso egoísmo, do nosso sossego, da nossa rigidez, do nosso faz-de-conta, para caminhar humanamente ao seu encontro. E, ao encontrá-lo, talvez lhe dizer a verdade: “eu sei o quanto você está doendo porque eu já doí também” ou “eu sei o quanto você está doendo porque estou doendo também, agora” e/ou “porque vivo, eu estou à mercê de doer de novo.”

 
Difícil é amar quando o outro repete o filme incontáveis vezes e a gente não aguenta mais a trilha sonora. Quando caminha pela vida como uma estrela doída que ignora o próprio brilho. Quando se tranca na própria tristeza com o aparente conforto de quem passa um feriadão à beira-mar. Quando sua autoestima chega a um nível tão lastimável que, com sutileza ou não, afasta as pessoas que acreditam nele. Quando parece que nós também estamos incluídos nesse grupo.

Difícil é amar quem não está se amando. Mas esse talvez seja, sim, o tempo em que o outro mais precisa se sentir amado. Eu não acredito na existência de botões, alavancas, recursos afins, que façam as dores mais abissais desaparecerem, nos tempos mais devastadores, por pura mágica. Mas eu acredito na fé, na vontade essencial de transformação, no gesto aliado à vontade, e, especialmente, no amor que recebemos, nas temporadas difíceis, de quem não desiste da gente. Acredito porque nos momentos mais doídos da minha jornada até aqui eu nunca encontrei nenhum botão mágico, mas tive fé, tive gesto, e, felizmente, tive quem me amasse sem desistir de mim.

A empatia, a memória, a honestidade emocional, são também grandes aliadas do amor.


(Ana Jácomo)

terça-feira, 10 de maio de 2011



"Depois que cansei de procurar aprendi a encontrar.
Depois que um vento me opôs resistência,
velejo com todos os ventos."

(Friedrich Nietzsche)


Tenho aprendido que não é porque algo na vida não seja exatamente da forma que você desejou ou idealizou, que você não possa ser feliz... A felicidade se encontra nos momentos, nos simples detalhes, num abraço, num sorriso, num apertar de mãos ou num afago, num encontro bom, numa conversa despretensiosa com almas afins... Mas, na maioria das vezes, focamos nossa mente somente no que poderia ser, no futuro ou mesmo na porta fechada de um passado, e cegamos o coração... Não deixamos ele enxergar e sentir o presente, que nos presenteia com as mais sublimes sensações. Tenho me deixado ser tomada por cada uma delas, não me importa como sejam, como surjam, se terão continuidade, só sei que quero senti-las na inteireza de cada momento, de cada oportunidade. Acho que já perdi tanto tempo idealizando coisas, planejando a vida, que esqueci o quanto é bom somente vivê-la. Mas, agora tenho entendido que pequenas felicidades, também é felicidade, e que de detalhes construo minha vida bem mais bonita e tranquila, sem a ansiedade pelo próximo passo milimetricamente traçado. A vida acaricia quem sabe sentir, então que sejam doces as pequenezas da vida, que sejam leves as alegriazinhas dos minutos em boas companhias, porque o que vale a pena é viver plenamente cada momento e deles extrair memórias, gestos, cheiros, gostos... enfim VIDA!

(Juliana Alves)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

A minha Casa é guardiã do meu corpo
e protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência
.

(Hilda Hilst)

quinta-feira, 5 de maio de 2011

...agora um Deus dança em mim!

 
"Creio que aqueles que mais entendem de felicidade são as borboletas e as bolhas de sabão...
Ver girar essas pequenas almas leves, loucas, graciosas
e que se movem é o que, de mim, arrancam lágrimas e canções.
Eu só poderia acreditar em um Deus que soubesse dançar.
E quando vi meu demônio, 
pareceu-me sério, grave, profundo, solene.
Era o espírito da gravidade. Ele é que faz cair todas as coisas.
Não é com ira, mas com riso que se mata. Coragem!
Vamos matar o espírito da gravidade!
Eu aprendi a andar. Desde então, passei por mim a correr.
Eu aprendi a voar. Desde então, não quero que me empurrem para mudar de lugar.
Agora sou leve, agora vôo, agora vejo por baixo de mim mesmo,
agora um Deus dança em mim!"

(Friedrich Nietzsche)

terça-feira, 3 de maio de 2011

Tu queres, desejas, amas; e somente por isso louvas a vida!



"É noite: Somente agora despertam todos os cantos dos que amam. 
E também a minha alma é o canto de alguém que ama. 
Há qualquer coisa insaciada, insaciável, em mim,
e quer erguer a voz. 
Um anseio de amor há em mim, 
que fala a própria linguagem do amor... 
E quando conversei a sós com minha selvagem sabedoria, 
disse-me esta, zangada: 
'Tu queres, desejas, amas; e somente por isso louvas a vida!"

(Friedrich Nietzsche)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Intimidade



Intimidade é quando a vida da gente relaxa diante de outra vida e respira macio.
Não há porque se defender de coisa alguma nem porque se esforçar para o que quer que seja. 
O coração pode espalhar os seus brinquedos.
Cantar a música que cada instante compõe. 
Bordar cada encontro com as linhas do seu próprio novelo. 
Contar as paisagens que vê enquanto cria o caminho.
Andar descalço, sem medo de ferir os pés. 

(Ana Jácomo)

domingo, 1 de maio de 2011

Pra quem quer dançar com a vida




Desilusão é quando nos damos conta de que um sonho bom que sonhamos acordados é tão enganoso como o sonho ruim que nos visita, vez ou outra, enquanto dormimos. É quando precisamos, mais despertos do que nunca, entrar em contato com a realidade. Olhá-la nos olhos, sem desviar o sentimento. Tocar a sua face e sentir a textura por vezes muito árida da sua pele. Ouvir, com todo ouvido de que somos capazes, as coisas geralmente difíceis que tem pra nos contar. Depois, caminharmos lado a lado, ainda confusos, ainda doídos, mas começando a sentir, bem devagarinho, que há também uma espécie de alívio que somente ela oferece.

Não há como se viver sem se correr o risco da ilusão e da desilusão. Até onde eu sei, não inventaram nenhum medicamento preventivo. Para se iludir e para se desiludir basta estar vivo e ter expectativa. Ideal talvez fosse experimentar a liberdade de não termos expectativa alguma, quem não espera não se frustra, mas essa me parece uma proposta ainda de difícil experimento, na prática. Quem quer pagar o preço de dançar com a vida, essa parceira de movimentos lindos e imprevistos, está exposto o tempo todo ao prazer e à dor enquanto baila no salão. Alguns, preferem permanecer sentados, olhando de longe, acompanhando com os pés e com o medo, solitariamente, o ritmo da música; acham mais seguro, embora a dor com as ardilezas dela chegue até eles mesmo assim. Outros, preferem levantar, dançar como sabem, dançar como podem, dançar com medo, e correr o risco de ser felizes também.

Estou desconfiada de que a gente cresce quando começa a aprender, com o sentimento, muito além da retórica, a não permitir que uma desilusão ou outra nos afaste de nós mesmos e nem dos nossos sonhos mais bonitos. Estou desconfiada de que a gente cresce quando é capaz de entender que estar vivo é perigoso, sim, é trabalhoso, sim, mas também é uma oportunidade rara e imperdível. Que há que se pagar o preço, se a ideia é ser feliz e inteiro, até onde a felicidade e a inteireza são possíveis. E que se pagando o preço, e que se correndo os riscos, existe a possibilidade de conseguirmos, em algum momento da nossa dança, tocar a face da realidade de forma terna e genuína e descobrir algo quase inacreditável: que por vezes a sua pele também pode ser viçosa. De verdade. Muito além até de qualquer sonho.

(Ana Jácomo)

Coração Primaveril

  Das invernais madrugadas não me recordo mais. Senhor dos tempos da ventura despiu-me de toda a névoa, vestiu-me de amanhecer...