terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Do Eterno Duelo Angelical


Como uma vez escreveu um amigo poeta: “Dentro de mim duelam os anjos/ E entre eles não há divisão/ De bondade ou crueldade/ Separando-os há tão somente uma capa/ Anonimato e proteção/ Doam-lhes capacidade de não sabê-los/ Então brigam e coagem seu abrigo/ Livres como os convêm/ Obscurecem a ideia da vítima/ Turvam o discernimento...” Todos nós somos campo de batalha desses anjos, e a cada momento damos vantagem a um, mas a vida se desenvolve na eterna luta dos dois, sem um realmente vencer o outro. Por vezes, não sabemos ao certo, qual dos anjos está a nos guiar, ou a qual ouvir, pois às vezes as intenções se misturam, vem intenções vis em pele de cordeiro ou mesmo bem intencionadas, mas com consequências contrárias... As vozes se mesclam dentro de nós, em nossa mente e coração, e nos confundem... Nos vindo assim as tribulações, confusões e indecisões. Mas isso tudo é inevitável, pois o viver e amadurecer só ocorre dessa forma por nossas vivências, intuições e dando vazão a voz interna, que não importa se é boa, ou às vezes ruim, se obtemos êxito dignamente ou fracasso como farrapo, mas através desse conjunto é que aprendemos a discernir, a ponderar, a nos conhecer, a tomar decisões, a fazer escolhas, enfim a evoluir nos degraus da existência... E os anjos, internos e externos, bons ou ruins estão ai pra nos ajudar nessa odisseia do viver!

(Juliana Alves)

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Do que me sobrevive e me guia - o Amor

 
Amei, não-amei, amei, não-amei, amei, não-amei, Amei...
Mentira, verdade, mentira, verdade, mentira, verdade...
Não importa a sorte ou os revezes!
A certeza que tenho eu é do que levo em meu coração...
Se foi em vão, se meti os pés pelas mãos,
Só diz respeito a mim, como sempre foi...
Do principio ao fim, do início a cada sim!

Mais uma vez me parto inteira,
Estilhaços verbais rasgam a inteireza de cada sentimento,
Mas parto de mãos dadas com o derradeiro
companheiro (de sempre) – Meu Amor
Próprio, do outro, ao outro (que vier)
Não sei...

Mas do que me sobrevive,
Habita meus recônditos e me transmuta, 
ao me dar as mãos, me cultiva
nos jardins da esperança, de tempos vindouros
Com certeza, é o Amor!
Que permanece, impera em meu peito...
Emanescência nobre que me aviva o olhar!
 
Por vezes, palpita no incerto...
Se erro ou acerto, continua aqui...
Fiel ao que se propôs, quando nessa vida me encontrou...
Não me abandona, me acolhe,
 me perdoa e não julga...
Pois é a cura de todo mal
e luzeiro de minha escuridão...
Por todo sempre Amém (Amem...)!

(Juliana Alves)

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Olha-me de novo...

 
"Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento."  

(Hilda Hilst)

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

'No fundo, heróis, porque só os heróis esperam e sonham.'




E ela continuava sonhando. Porque leu naquele livro do Lobato: 'No fundo, heróis, porque só os heróis esperam e sonham.' E ela preferia acreditar que sim. Mesmo depois de ter acordado assustada no meio da noite, sentindo-se esmagada pelos pés de um gigante.

 Mas não era o corpo que estava moído. Era a alma que, de furta-cor, passou pra marrom, depois pro cinza, até ficar bege bem clarinha. Porque ela sentia que alguém estava tentando roubar seu tesouro que fica escondido do lado esquerdo.

 '-Não, esse eu não entrego. Só passando por cima do meu cadáver.' - comentou a si mesma, tamanho era o medo de se confessar pras paredes, porque até elas, ultimamente, têm tido línguas afiadas. Cortantes. E maldade pura.

Mas isso não a incomodava nenhum pouco. Porque ela continuaria sendo a pessoa que sempre foi. Defensora do bem e de tudo o que aprendeu no berço, que não era de ouro, mas que valia do mesmo jeito.

E continuou acreditando que o bem sempre vence no final. Mesmo tendo tantas estradas e gentes e bichos te empurrando pro lado contrário. Só que ela está forte. Bem mais do que supunha. Dessa vez, ela bota um sorriso na cara e.

(Pipa-Cris)

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A Arte de Perder

 
A arte de perder não é difícil de dominar;
tantas coisas parecem cheias com a intenção
da perda que sua perda é nenhum desastre.

Perca algo a cada dia. Aceite, austero,
as chaves perdidas, a hora mal gasta.
A arte de perder não é difícil de dominar.

Então, pratique perder mais, perder mais rápido:
lugares, nomes, a escala subseqüente
Da viagem não feita. Nenhum deles trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas,
foi-se. A arte de perder não é difícil de dominar.

Perdi duas cidades lindas. E um império
Que era meu, dois rios, e mais um continente.
Sinto saudade deles, mas não foi um desastre.

– Mesmo perder você (a voz, o riso etéreo que eu amo)
não posso mentir. É evidente, a arte de perder não é muito difícil
 de dominar embora - escreva tudo! - lembre desastre.

(Elizabeth Bishop)

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Então, cuide bem de você...


 
Do que você sente, do que você faz, do que você vê e agrega. 
Cuide dos seus, avalie a sua importância. 
Tome conta de si, reajuste – se, pergunte - se. 
Inclua o necessário, desligue o menos importante. 
Abra mão quando for preciso. 
Aumente a beleza do verbo permanecer. 
Descuidos são nocivos.
Ligeirezas arranham.

(Priscila Rôde)

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Perdoando a Deus (a si e aos outros)



Eu ia andando pela Avenida Copacabana e olhava distraída edifícios, nesga de mar, pessoas, sem pensar em nada. Ainda não percebera que na verdade não estava distraída, estava era de uma atenção sem esforço, estava sendo uma coisa muito rara: livre. Via tudo, e à toa. Pouco a pouco é que fui percebendo que estava percebendo as coisas. Minha liberdade então se intensificou um pouco mais, sem deixar de ser liberdade. Tive então um sentimento de que nunca ouvi falar. Por puro carinho, eu me senti a mãe de Deus, que era a Terra, o mundo. Por puro carinho mesmo, sem nenhuma prepotência ou glória, sem o menor senso de superioridade ou igualdade, eu era por carinho a mãe do que existe. Soube também que se tudo isso "fosse mesmo" o que eu sentia - e não possivelmente um equívoco de sentimento - que Deus sem nenhum orgulho e nenhuma pequenez se deixaria acarinhar, e sem nenhum compromisso comigo. Ser-Lhe-ia aceitável a intimidade com que eu fazia carinho. O sentimento era novo para mim, mas muito certo, e não ocorrera antes apenas porque não tinha podido ser. Sei que se ama ao que é Deus. Com amor grave, amor solene, respeito, medo e reverência. Mas nunca tinham me falado de carinho maternal por Ele. E assim como meu carinho por um filho não o reduz, até o alarga, assim ser mãe do mundo era o meu amor apenas livre. E foi quando quase pisei num enorme rato morto. Em menos de um segundo estava eu eriçada pelo terror de viver, em menos de um segundo estilhaçava-me toda em pânico, e controlava como podia o meu mais profundo grito. Quase correndo de medo, cega entre as pessoas, terminei no outro quarteirão encostada a um poste, cerrando violentamente os olhos, que não queriam mais ver. Mas a imagem colava-se às pálpebras: um grande rato ruivo, de cauda enorme, com os pés esmagados, e morto, quieto, ruivo. O meu medo desmesurado de ratos. Toda trêmula, consegui continuar a viver. Toda perplexa continuei a andar, com a boca infantilizada pela surpresa. Tentei cortar a conexão entre os dois fatos: o que eu sentira minutos antes e o rato. Mas era inútil. Pelo menos a contigüidade ligava-os. Os dois fatos tinham ilogicamente um nexo. Espantava-me que um rato tivesse sido o meu contraponto. E a revolta de súbito me tomou: então não podia eu me entregar desprevenida ao amor? De que estava Deus querendo me lembrar? Não sou pessoa que precise ser lembrada de que dentro de tudo há o sangue. Não só não esqueço o sangue de dentro como eu o admiro e o quero, sou demais o sangue para esquecer o sangue, e para mim a palavra espiritual não tem sentido, e nem a palavra terrena tem sentido. Não era preciso ter jogado na minha cara tão nua um rato. Não naquele instante. Bem poderia ter sido levado em conta o pavor que desde pequena me alucina e persegue, os ratos já riram de mim, no passado do mundo os ratos já me devoraram com pressa e raiva. Então era assim?, eu andando pelo mundo sem pedir nada, sem precisar de nada, amando de puro amor inocente, e Deus a me mostrar o seu rato? A grosseria de Deus me feria e insultava-me. Deus era bruto. Andando com o coração fechado, minha decepção era tão inconsolável como só em criança fui decepcionada. Continuei andando, procurava esquecer. Mas só me ocorria a vingança. Mas que vingança poderia eu contra um Deus Todo-Poderoso, contra um Deus que até com um rato esmagado poderia me esmagar? Minha vulnerabilidade de criatura só. Na minha vontade de vingança nem ao menos eu podia encará-Lo, pois eu não sabia onde é que Ele mais estava, qual seria a coisa onde Ele mais estava e que eu, olhando com raiva essa coisa, eu O visse? no rato? naquela janela? nas pedras do chão? Em mim é que Ele não estava mais. Em mim é que eu não O via mais. Então a vingança dos fracos me ocorreu: ah, é assim? pois então não guardarei segredo, e vou contar. Sei que é ignóbil ter entrado na intimidade de Alguém, e depois contar os segredos, mas vou contar - não conte, só por carinho não conte, guarde para você mesma as vergonhas Dele - mas vou contar, sim, vou espalhar isso que me aconteceu, dessa vez não vai ficar por isso mesmo, vou contar o que Ele fez, vou estragar a Sua reputação. ... mas quem sabe, foi porque o mundo também é rato, e eu tinha pensado que já estava pronta para o rato também. Porque eu me imaginava mais forte. Porque eu fazia do amor um cálculo matemático errado: pensava que, somando as compreensões, eu amava. Não sabia que, somando as incompreensões, é que se ama verdadeiramente. Porque eu, só por ter tido carinho, pensei que amar é fácil. É porque eu não quis o amor solene, sem compreender que a solenidade ritualiza a incompreensão e a transforma em oferenda. E é também porque sempre fui de brigar muito, meu modo é brigando. É porque sempre tento chegar pelo meu modo. É porque ainda não sei ceder. É porque no fundo eu quero amar o que eu amaria - e não o que é. É porque ainda não sou eu mesma, e então o castigo é amar um mundo que não é ele. É também porque eu me ofendo à toa. É porque talvez eu precise que me digam com brutalidade, pois sou muito teimosa. É porque sou muito possessiva e então me foi perguntado com alguma ironia se eu também queria o rato para mim. É porque só poderei ser mãe das coisas quando puder pegar um rato na mão. Sei que nunca poderei pegar num rato sem morrer de minha pior morte. Então, pois, que eu use o magnificat que entoa às cegas sobre o que não se sabe nem vê. E que eu use o formalismo que me afasta. Porque o formalismo não tem ferido a minha simplicidade, e sim o meu orgulho, pois é pelo orgulho de ter nascido que me sinto tão íntima do mundo, mas este mundo que eu ainda extraí de mim de um grito mudo. Porque o rato existe tanto quanto eu, e talvez nem eu nem o rato sejamos para ser vistos por nós mesmos, a distância nos iguala. Talvez eu tenha que aceitar antes de mais nada esta minha natureza que quer a morte de um rato. Talvez eu me ache delicada demais apenas porque não cometi os meus crimes. Só porque contive os meus crimes, eu me acho de amor inocente. Talvez eu não possa olhar o rato enquanto não olhar sem lividez esta minha alma que é apenas contida. Talvez eu tenha que chamar de "mundo" esse meu modo de ser um pouco de tudo. Como posso amar a grandeza do mundo se não posso amar o tamanho de minha natureza? Enquanto eu imaginar que "Deus" é bom só porque eu sou ruim, não estarei amando a nada: será apenas o meu modo de me acusar. Eu, que sem nem ao menos ter me percorrido toda, já escolhi amar o meu contrário, e ao meu contrário quero chamar de Deus. Eu, que jamais me habituarei a mim, estava querendo que o mundo não me escadalizasse. Porque eu, que de mim só consegui foi me submeter a mim mesma, pois sou tão mais inexorável do que eu, eu estava querendo me compensar de mim mesma com uma terra menos violenta que eu. Porque enquanto eu amar a um Deus só porque não me quero, serei um dado marcado, e o jogo de minha vida maior não se fará. Enquanto eu inventar Deus, Ele não existe. 

in "Felicidade Clandestina" - Ed. Rocco - Rio de Janeiro, 1998

Diga o que você precisa dizer...



♫♪...Se você pudesse apenas... 
Diga o que você precisa dizer...

Não tenha medo de continuar
Não tenha medo de desistir
Seria melhor você saber que no final
é melhor falar demais do que nunca dizer o que você precisa dizer de novo...

Mesmo que suas mãos estejam tremendo
E sua fé esteja perdida
Mesmo se os olhos estiverem se fechando
Faça isso com o coração aberto

(De coração aberto)

Diga o que você precisa dizer...♫♪

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Te Amo...


 
Te Amo,
Te amo de uma maneira inexplicável,
De uma forma inconfessável,
De um modo contraditório.

Te Amo,

Com meus estados de ânimo que são muitos,
E muda de humor continuamente
Pelo que você já sabe,
O tempo,
A vida,
A morte.

Te Amo,

Com o mundo que não entendo,
Com as pessoas que não compreendem,
Com a ambivalência de minha alma,
Com a incoerência dos meus atos,
Com a fatalidade do destino,
Com a conspiração do desejo,
Com a ambigüidade dos fatos.
Ainda quando digo que não te amo, te amo.
Até quando te engano, não te engano.
No fundo, levo a cabo um plano
Para amar-te melhor.

Te Amo,

Sem refletir, inconscientemente,
Irresponsavelmente, espontaneamente,
Involuntariamente, por instinto,
Por impulso, irracionalmente.
De fato, não tenho argumentos lógicos
Nem sequer improvisados
Para fundamentar este amor que sinto por ti.
Que surgiu misteriosamente do nada,
Que não resolveu magicamente nada,
E que, milagrosamente, pouco a pouco, com pouco e nada,
Melhorou o pior de mim.

Te Amo,

Incompreensivelmente.
Sem perguntar-me porque te amo,
Sem importar-me porque te amo
Sem questionar porque te amo

Te Amo,

Simplesmente porque te amo.
Eu mesmo não sei porque te amo.

(Pablo Neruda)

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Nascimento Último


Como se não tivesse substância e de membros apagados.
Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.
E germinar no sono, germinar na árvore.
Tudo acabaria na noite, lentamente, sob uma chuva densa.
Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.
No encontro e no abandono, na última nudez,
respiraria ao ritmo do vento, na relação mais viva.
Seria de novo o gérmen que fui, o rosto indivisível.
E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila
e o repouso do ser no ser, os seus obscuros terraços.
Entre rumores e rios a morte perder-se-ia.

(ANTÓNIO RAMOS ROSA, in NO CALCANHAR DO VENTO)

Estabilidade...



"Quando há um furacão no mar, o capitão experiente sabe que se conduzir seu barco para a periferia da tormenta, este será arremessado de um lado para o outro. Mas, se ele conseguir chegar ao olho do furacão, entrará num local de quietude. Faça o mesmo. Quando tudo ao seu redor estiver mudando rápido demais e a pressão for ficando mais intensa, o melhor lugar para buscar abrigo e refúgio não é fora, mas dentro de você mesmo. Nesse ponto você entra em contato consigo mesmo e encontra força e estabilidade para, então, sair do turbilhão e fazer o que precisa ser feito."

(BK)

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Do amor e outros demônios


Sei de cor o som do seu corpo, sei a textura de suas páginas mais azuis, sei os peixes de sua voz e quais suas janelas não se abrem, sei a umidade de seu chão, sei as paredes de sua chuva. Sei a lua em seu umbigo, sei suas vírgulas se fazendo caminho para o que não sei e a rouquidão específica de cada um dos seus silêncios e a ruptura dos seus pensamentos quando me envio em leve vento fazendo-me grafia invisível em sua nuca, sei a mobília de seus olhos e os ruídos das suas aldravas, sei a sutil ranhura de seus dentes em meu cansaço, sei a alvura extrema de sua ante-sala e a nódoa que impede minha fala, sei a acústica de todo o seu corpo suando enquanto dorme sonhando o mapa evanescente dos meandros do miolo de seu rumoroso ser em carne viva. Pois aqui estou, metafórico e físico, encordoado na imagem do seu grito, sabendo que não sei, falando o infalável, aqui estou, fora de qualquer casa, dentro de qualquer casa, caminhável, caminhante, quase transitivo, quase permitindo que as palavras me digam, quase sendo as palavras, quase sendo o que não digo, aqui estou, não redigindo a carta que me pediu, em que falaria de mim e só de mim, aqui estou, redigindo o seu corpo, fazendo do seu corpo palavra, ainda que sabendo que nem mesmo nas palavras pode um homem banhar-se outra vez no mesmo rio.

(Wesley Peres, in: Casa entre Vértebras)

Coração Primaveril

  Das invernais madrugadas não me recordo mais. Senhor dos tempos da ventura despiu-me de toda a névoa, vestiu-me de amanhecer...