quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Lua no Labirinto



Pouco a pouco e também muito a muito
me aconteceu a vida,
e que insignificante é este assunto:
estas veias levaram
sangue meu que poucas vezes vi,
respirei o ar de tantas regiões
sem guardar para mim uma amostra de nenhum
e afinal de contas já o sabem todos:
ninguém leva nada de seu
e a vida foi um empréstimo de ossos.


O belo foi aprender a não se saciar
da tristeza nem da alegria,
esperar o talvez de uma última gota,
pedir mais ao mel e às trevas.


Talvez fui castigado:
talvez fui condenado a ser feliz.
Fique afirmado aqui que ninguém
passou perto de mim sem me compartir.
E que meti a colher até o cotovelo
numa adversidade que não era minha,
no padecimento dos outros.


Não se tratou de palma ou de partido
mas de pouca coisa: 
não poder viver nem respirar essa sombra,
com essa sombra de outros como torres,
como árvores amargas que o enterram,
como pancadas de pedra nos joelhos.


A tua própria ferida se cura com pranto,
a tua própria ferida se cura com canto,
mas a tua porta mesmo se dessangra
a viúva, o índio, o pobre, o pescado,
e o filho do mineiro não conhece
o seu pai entre tantas queimaduras.


Muito bem, mas o meu ofício
foi a plenitude da alma:

um ai de gozo que te corta a respiração,
um suspiro de planta derrubada
ou o quantitativo da ação.


Eu gostava de crescer com a manhã,
embeber-me de sol, com pleno gozo
de sol, de sal, de luz marinha e onda,
e nesse avanço da espuma
fundou meu coração seu movimento:
crescer com profundo paroxismo
e morrer se derramando na areia.

 
(Pablo Neruda)

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