sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Erótica é a Alma....

 

...Saara, o deserto chora e com a chuva brotam flores de algodão.
Oh, Síria, minha tez é clara, tênue, frágil pra cruzar o teu clarão.
Sereia, escutar teu canto e não ter você 
pra sempre em minhas mãos...
Seria jogado as leoas se preciso fosse por seu coração.

(...)

Canto pra subir, canto pra dor, canto pra vida, 
canto para te encontrar
Feira marroquina, peça maia, Hindochina, 
porcelanas, aias, Lama,
Deusa Egípcia... 

(Regressão - Jorge Vercilo)

quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Ecdise...


"(...) depois de saber às vezes tudo muda, inclusive a carne, ou a pele que se abre, ou algo que se rasga."

(Javier Marías)


"E o que vejo, no escuro desta corrida a que me agrilhoo na ilusão de uma escolha que já não tenho, é o veludo da tua pele, o ferro do teu corpo fundindo-se ao meu."

(Inês Pedrosa)


Nosso amor é coisa de pele, ele dizia, num passado mais distante que o dos faraós egípcios. Ela achava lindo e respondia que quando ele tocava a sua pele, era a alma dela que se arrepiava. ‘Minha melhor roupa é a tua pele’, e a memória daquela frase a invadia com a força de uma possessão demoníaca.

(Carina B.)


"Não há memória mais terrível do que a da pele; a cabeça pensa que esquece, o coração sente que passou, e a pele arde, invulnerável ao tempo."

(Inês Pedrosa)


Olhou-se no espelho e só enxergou o vermelho-carne. O demônio possuía não só sua memória, mas seu corpo. Ou talvez ela tivesse se transformado no demônio. Quem sabe assim eu esqueço, falou sozinha, ou para o outro no espelho, e então entendeu:

 “a pele arde, invulnerável ao tempo.”


...só as cobras trocavam de pele... Mas ela, Naja desde a época de Cleópatra, conhecia o próprio veneno e sua cura. A pele antiga já caíra e a ecdise estava quase completa.

(Carina B.)


“O que será que me dá
Que brota à flor da pele, será que me dá
E que me sobe às faces e me faz corar”

(Chico Buarque)


No dia em que estreou a nova pele na areia escaldante do Arpoador, alguém lhe encostou dedos gelados.

(Carina B.)

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Noturnamente...

 
"Noturnamente te construo para que sejas palavra do meu corpo, 
peito que em mim respira, olhar em que me despojo. 
Na rouquidão da tua carne me inicio, me anuncio e me denuncio.
Sabes agora para o que venho e por isso me desconheces."

(Mia Couto, in: Raiz de Orvalho e outros poemas)

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Para ti...




Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti
criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre

Para ti
dei voz, às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo
estava em nós

Nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos,
simplesmente porque
era noite
e não dormíamos.

Eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos,
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida.
 
(Mia Couto)

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Primeira vez em outro corpo...


“Uma noite, foi ela quem tomou a iniciativa com os versos que aprendia de tanto ouvir: – “Quando paro a contemplar meu estado e ver os passos por onde me trouxeste…” – recitou. E perguntou com picardia: – Como continua?
- “Eu acabarei, pois me entregarei sem arte a quem me saberá perder e acabar” – disse ele.
Ela repetiu os versos com a mesma ternura e continuaram até o fim do livro, saltando trechos, pervertendo e tergiversando os sonetos conforme a conveniência, brincando com eles à vontade, com um domínio de donos.
Tarde da noite, depois de um dia inteiro de disfarces, se sentiam amados desde sempre. Cayetano, meio de brincadeira e meio a sério, se atreveu a soltar o cordão do espartilho de Sierva María. Ela protegeu o peito com as duas mãos; houve uma chispa de raiva em seus olhos e uma rajada de rubor lhe incendiou o rosto.
Cayetano lhe agarrou as mãos com o polegar e o indicador, como se estivessem em fogo vivo, e as afastou do peito. Ela tentou resistir, e ele lhe opôs uma força terna mas resoluta.
- Repete comigo – disse: – “Enfim a vossas mãos hei chegado.”
Ela obedeceu.
- “Onde sei que hei de morrer” – prosseguiu ele, enquanto abria o espartilho com seus dedos gelados. Ela repetiu quase sem voz, trêmula de medo:
- “Para que só em mim seja provado o quanto corta uma espada num rendido.”
Então ele a beijou nos lábios pela primeira vez.
O corpo de Sierva María estremeceu com um gemido, e ela soltou uma tênue brisa marinha e se abandonou à própria sorte. Ele passou por sua pele as gemas dos dedos, tocando-a muito de leve, e viveu pela primeira vez o prodígio de se sentir em outro corpo.”

(Gabriel García Márquez em Do Amor e Outros Demônio) 


quinta-feira, 1 de agosto de 2013

A(gosto) de Deus

 
Adentra-se às primícias de um mês cercado de superstições e agouros...
Não o vejo com os olhos turvos dos sem fé, neste respiro a bonança e colho os louros de ansiados tempos vindouros.

Enfim chegado o augusto tempo, delicio-me a cada aurora raiada...
Dulcíssima sensação de leveza dos que acreditam que pra se passar por agosto deve-se ter amor no coração (e tenho), além dessa bendita prece de felicidade nos lábios, mantra transcendental a todo o momento pronunciado...

Que assim transcorra, continue a me invadir, se intensifique e contagie infinitamente mais... Há de se ter mais força, há de se luzir acolhida pela paz, há de se ficar qualquer maldição para trás...

Há de se mergulhar em amores cada vez mais ternos, há de crescer as tenras asas em voos compartilhados ao encontro da vida, à alva emoção renovada de ser livre, de ser plena, florir sorrisos, olhares, uma alma olorosa de aromas almiscarados à espera de um setembro primaveril...

Que seja assim, tudo a(gosto) de Deus!

(Juliana Alves)

Coração Primaveril

  Das invernais madrugadas não me recordo mais. Senhor dos tempos da ventura despiu-me de toda a névoa, vestiu-me de amanhecer...