Todo poeta tem que ter...
Ter um quê de incompletude, ser pedaço desgarrado do universo, que
clama magneticamente por sua outra parte... que não se sabe o que ou
onde está, por onde anda em ciclos infinitos a vagar. Para saber
valorizar a completude das pequenas alegrias, dos pequenos momentos
plenos que agregam real valor a vida.
Um quê de amor profundo, muitas vezes não correspondido, por amar o que
nunca de fato conheceu ou existiu, e saber reconhecer e valorizar com
os olhos do coração quando o lapso de uma alma incomum aos seus olhos
corpóreos se apresentar.
Um quê de andarilho, errante pelos
caminhos do pensamento e da vida, pelos labirintos do tempo e pela
espera eterna do que nunca chega. Para saber que mais importante que o
final da jornada, são as lições aprendidas na trajetória, e que quando
sentir a paz em seu coração lhe dizer que é porto seguro de se ancorar,
saiba ouvir e obedecer.
Um quê de tristeza, para saber-se
sabe(dor) dos martírios da existência, e com conhecimento de causa poder
extravazar-lhes da alma, transmitindo experiências, criando cenas,
luzindo arte.
Um quê de incompreendido e transgressor, por ser
revolucionário das leis e dos costumes, com sua arte libertadora das
amarras da inquisição, onde a livre expressão dos sentimentos e ideias
desvenda o coração e dissolve os limites da razão, devolvendo a lucidez
da liberdade à alma antes cativa pelos limites do corpo.
Um quê
de orgulho, pra não se dizer tolo, um total sensível e piegas, que no
fundo rasgaria sua própria alma e daria de esmola aos outros. Negaria
seus sentimentos e razão, abdicaria de toda riqueza e do trono majestoso
da auto-consideração pelas causas perdidas: do amor, do perdão, da
amizade e da caridade.
Um quê de loucura para manter aceso o
fogo do sentir, mesmo que lhe doa, mesmo que lhe consuma, e das cinzas
se faça a arte que vá engrandecer e ser admirada por outros, que nem ao
menos sabem o quanto lhe custou, quanto sangue seu foi tinta da escrita
com que suas almas se identificaram e seus corações agregaram para si.
Um quê de sabedoria, para reconhecer e admirar os detalhes da vida, as
belezas escondidas nas facetas, até mesmo, das tristezas e misérias, e
poder absorver, recriar, enaltecer e transmiti-las em forma de verdade,
de sonhos a serem abraçados por quem a esperança já se esvaiu.
Um quê de altruísmo, para saber se doar até a última gota, de sangue,
de lágrima, de inspiração, de tinta de uma caneta incansável, que
transcreve emoções, belezas, amor, decepção, ternura e amargura, tudo
com os fios-luz da poesia, sem perder o encanto e ter a certeza que não
serão mais suas, serão dos outros... Propriedade adquirida sem nenhum
custo, para dar nomes e feições ao que sentem e não conseguem falar ou
calar.
E um quê daquela mesma esperança, dos outros perdida,
recolhida e renovada pela sua fé inabalável, de que sua arte um dia seja
valorizada e compreendida, abra a visão e invada o coração de muitos,
plante a semente da motivação, e não seja ele só, a ser esse ser
estranho no ninho desse incompreensível mundo dos sonhos mitigados.
(Juliana Alves)