sábado, 30 de abril de 2011

"Tenho dias lindos, mesmo quietinhos..." (Caio Fernando Abreu)


"Quando a minha mente está calma, eu acesso uma confiança que é descanso e proteção. Uma fé genuína na preciosidade da vida. Sinto que tudo em mim se reorganiza, silenciosamente, o tempo todo. Que isso tem mais a ver com o meu olhar, com a natureza das sementes que rego, do que eu possa perceber. Minha expectativa, tantas vezes ansiosa, de que as coisas sejam diferentes, dá lugar à certeza tranqüila de que, naquele momento, tudo está onde pode estar. Em vez de sofrer pelas modificações que ainda não consigo, eu me sinto grata pelas mudanças que já realizei. E relaxo.
 
Quando a minha mente está calma, eu acesso uma clareza que me permite sentir, com mais nitidez, que há uma sabedoria que abraça todas as coisas. Que o tempo tem uma habilidade singular para reinventar nosso roteiro com a gente, toda vez que redefinimos o que, de verdade, nos importa. Que há um contentamento perene no nosso coração. Um espaço de alimento amoroso. Uma fonte que buscamos raras vezes, acostumados a imaginar a felicidade somente fora de nós e a deslocá-la para distâncias onde não estamos.

Quando a minha mente está calma, os sentidos se expandem e me permitem refinar sensações e sentimentos. Posso saborear mais detalhes do banquete que está sempre disponível, mesmo quando eu não o percebo. Nesse lugar de calma e clareza, não há nada a desejar. Nada a esperar. Nada a buscar. Nenhum lugar onde ir. Eu me sinto sentada sob a sombra de uma árvore generosa, numa tarde azul sem pressa, os pássaros bordando o céu com o seu balé harmonioso. O meu coração é pleno, nenhuma fome. Plenitude não é extensão nem permanência: é quando a vida cabe no instante presente, sem aperto, e a gente desfruta o conforto de não sentir falta de nada."

(Ana Jácomo)

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Meu namorado imaginário...



Meu namorado imaginário tem mais ou menos a mesma idade que eu, não fuma, gosta de filosofia (pode não entender nada, mas tem que achar lindo!rs), não tem história mal-resolvida com ninguém, gosta de cinema, domingo em casa, passeio no parque, e é absolutamente encantado pela beleza das coisas pequenas.... um cheiro, um beijo, um carinho, um jasmim. Sem motivos. A gente tem um cachorro (que pode morar na casa dele, já que meu apartamento é MUITO pequeno), planos compartilhados de visitar o Oriente, plantar flores num jardim e passar férias longas em um país estrangeiro. Desses bem esquisito. A gente se entende pelo olho, pele, saliva, coração. Nosso tesão começa é na alma. Só que explode.

Meu namorado imaginário tem o sorriso mais bonito do planeta terra. E quando sorri de cantinho (disfarçando pra eu não ver que ele não gostou do meu sapato cor de melancia), eu finjo que fico brava mas na verdade eu acho lindo. E ele me abraça de um jeito que me faz sentir mais perto de Deus. E a gente se encontra naquele intervalo entre as coisas que são ditas e as coisas que as palavras não alcançam... e se transubstancia... em galáxias, cores, cometas, estrelas, incandescências... tudo ao mesmo tempo.... (imanências).


Meu namorado imaginário, às vezes vai comprar pão quentinho de manhã bem cedo, mas às vezes fica na cama ronronando feito um gatinho, cheio de manha, até tarde enquanto pede mais um dengo emburrado. E a gente se embola num aconchego gostoso de quem esqueceu que segunda é dia de trabalho... e as histórias de domingo estampam sorrisos mudos que nos escorrem pelos olhos. E a gente chora sem lágrimas. E se sente meio como numa história de cinema. Francês.


Meu namorado imaginário apóia meus sonhos, mesmo que não concorde com eles. É um homem que admiro muito mais do que consigo expressar com palavras. Tem manias tão irritantes quanto lindas que nos rendem as mais inusitadas histórias. Como ter medo de escuro ou não lavar a camisa em dia de jogo contra o Palmeiras. Ele me ensina a ser uma pessoa melhor. E me entende quando eu não consigo. Porque ninguém consegue às vezes. Nem ele.


Com meu namorado imaginário cada dia é um mergulho. E eu não preciso ter medo, porque nosso desejo é enternecer nosso universo. De um jeito que a gente não entende, mas que vibra e de repente faz tudo parecer que tem sentido. E a gente entende, como naquele texto da Marla, que encontramos leveza nas emoções que nos transbordaram porque estávamos prontos.... e escrevemos um dicionário de palavras distraídas. Adentramos no corpo de um poema recente, ainda disforme e falamos de amor usando a metáfora mais inocente... E então agradecemos profundamente por esta outra pessoa inteira, que jamais será uma metade e que, para a soma, com todas as alternativas que teve, preferiu seguir ... "ti a mim, me a ti, e tanto"...


Quando? Onde? Quem? Eu não sei. Mas talvez, como numa metáfora de cinema, o mais importante seja mesmo a jornada e não a meta.... Um dia a gente se encontra e ele me reconhece. Tenho fé em Deus.


(De: O homem ideal e outras conversas - Elenita Rodrigues)

terça-feira, 26 de abril de 2011

Rifa-se um Coração...



Rifa-se um coração quase novo.
Um coração idealista.
Um coração como poucos.
Um coração à moda antiga.
Um coração moleque
que insiste em pregar peças no seu usuário.
Rifa-se um coração
que na realidade está um pouco usado, meio calejado,
muito machucado e que teima em alimentar sonhos
e cultivar ilusões.
Um pouco inconseqüente
que nunca desiste de acreditar nas pessoas.
Um leviano e precipitado coração
que acha que Tim Maia estava certo quando
escreveu...
"...não quero dinheiro, eu quero amor sincero, é isso que eu
espero...".
Um idealista...
Um verdadeiro sonhador...
Rifa-se um coração que nunca aprende.
Que não endurece, e mantém sempre viva a esperança de ser feliz,
sendo simples e natural.
Um coração insensato
que comanda o racional
sendo louco o suficiente para se apaixonar.
Um furioso suicida
que vive procurando relações e emoções verdadeiras.
Rifa-se um coração
que insiste em cometer sempre os mesmos erros.
Esse coração que erra, briga, se expõe.
Perde o juízo por completo em nome de causas e paixões.
Sai do sério e, às vezes revê suas posições
arrependido de palavras e gestos.
Este coração tantas vezes incompreendido.
Tantas vezes provocado.
Tantas vezes impulsivo.
Rifa-se este desequilibrado emocional
que abre sorrisos tão largos
que quase dá pra engolir as orelhas,
mas que também arranca lágrimas e faz murchar o rosto.
Um coração para ser alugado,
ou mesmo utilizado por quem gosta de emoções fortes.
Um órgão abestado
indicado apenas para quem quer viver intensamente
contra indicado para os que apenas pretendem passar pela vida
matando o tempo,
defendendo-se das emoções.
Rifa-se um coração
tão inocente que se mostra sem armaduras
e deixa louco o seu usuário.
Um coração que quando parar de bater
ouvirá o seu usuário dizer para São Pedro
na hora da prestação de contas:
"O Senhor pode conferir.
Eu fiz tudo certo, só errei quando coloquei sentimento.
Só fiz bobagens e me dei mal
quando ouvi este louco coração de criança
que insiste em não endurecer
e se recusa a envelhecer"
Rifa-se um coração,
ou mesmo troca-se por outro
que tenha um pouco mais de juízo.
Um órgão mais fiel ao seu usuário.
Um amigo do peito que não maltrate tanto o ser que o abriga.
Um coração que não seja tão inconseqüente.
Rifa-se um coração cego, surdo e mudo,
mas que incomoda um bocado.
Um verdadeiro caçador de aventuras que ainda não foi adotado, provavelmente, por se recusar
a cultivar ares selvagens ou racionais,
por não querer perder o estilo.
Oferece-se um coração vadio, sem raça, sem pedigree.
Um simples coração humano.
Um impulsivo membro de comportamento
até meio ultrapassado.
Um modelo cheio de defeitos
que mesmo estando fora do mercado,
faz questão de não se modernizar,
mas vez por outra, constrange o corpo que o domina.
Um velho coração
que convence seu usuário a publicar seus segredos
e a ter a
petulância de se aventurar como poeta.

(Clarice Lispector)

sábado, 23 de abril de 2011

Às vezes me preservo... Noutras, suicido!



Ando tão à flor da pele
Qualquer beijo de novela
Me faz chorar
Ando tão à flor da pele
Que teu olhar "flor na janela"
Me faz morrer
Ando tão à flor da pele
Meu desejo se confunde
Com a vontade de não ser
Ando tão à flor da pele
Que a minha pele
Tem o fogo
Do juízo final...

Barco sem porto
Sem rumo, sem vela
Cavalo sem sela
Bicho solto
Um cão sem dono
Um menino, um bandido

Às vezes me preservo
Noutras, suicido!

(Zeca Baleiro)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

O orgulho vale ouro....


 
"Vá ponhá o seu melhor vestido, ô menina!
Pinte, doce, a sorte nesse rosto de colombina
Apanhe um sorriso bonito, pode ser meio de lado
Se esconda, rápido, desse mundo desbotado
Desintegre esse penar e, então, desabroche em cor
Deixe que o tempo sara, que vire dormência,
                                                        [indolor
Arqueie as sobrancelhas e cantarole uma canção
Venda-se a preço de exposição
Invente um novo bem-querer
E não perca, não mais, seus instantes com o sofrer
Jogue esses motivos tolos, vamos, finde o choro!
De tudo o que eu vi, ô moça, o orgulho vale ouro..."

(Rebeca Amaral)

Oportunidade



Eu não tinha para onde correr, por mais que a ideia me agradasse. Presa numa armadilha engenhosa da mente, dessas que são capazes de convencer distraídos e incautos de que são meras coincidências, não me restou outra alternativa senão dar de cara com a tal dor antiquíssima. Numa outra circunstância, a mesma frequência, a mesma substância. De repente, quando me dei conta, éramos somente eu, ela e seus filhotes naquele trecho de mata cerrada da alma quando a alma não se importa nem um pouco de acender seu breu.
Estava quieta há tantas viradas de calendário, tecendo dramas em silêncio, procriando sem fazer ruído, que eu jurava já fazer parte do meu museu de superações. Que nada. Lá estava ela, olhos agudos esparramados nos meus sem constrangimento, fresca como se tivesse acabado de ser colhida do pé. Vívida como a estrela mais nítida no escuro mais silente da noite. Lá estava ela, engasgada na sombra à espera de olhar. À espera de abraço. À espera da chance de falar. À espera de luz.

Ali, presa fácil para o suposto inimigo, as defesas ludibriadas com requinte, num primeiro momento eu olhei para ela com um enfado absurdo, uma irritação rara, paciência zero.
“Você, ainda?”
“Ainda.”
“Não cansa, não?”
“Não posso, até que você se canse e, de uma vez por todas, escolha me olhar com o amor capaz de me ouvir e de me curar.”
Num segundo momento, cansadíssima, eu a acolhi e deixei ela falar suas queixas todas até realmente começar a escutá-la. Eu a abracei com a empatia, o respeito, o afeto, com os quais a gente abraça um amado profundamente ferido. Eu nem sabia ainda como poderíamos, juntas, mudar o rumo da história, e se saberíamos, mas, ali, eu escolhi me empenhar. Escolhi assumir a minha responsabilidade terna por nós duas. Escolhi aproveitar a oportunidade oferecida pela mais nova armadilha engenhosa da mente, outra circunstância, a mesma frequência, a mesma substância.
Ali, eu escolhi, pela primeira vez, talvez de uma vez por todas, olhá-la com amor até a gente conseguir se curar e ser capaz de semear circunstâncias mais felizes, outra frequência, outra substância. Outra, bem-vinda, colheita. Depois daquele inverno tão sisudo, quem sabe, a vez do cheiro de flor quando ri da primavera.

(Ana Jácomo)

Sorriso...




Sorriso de quem se reconhece
e viajou à roda do mundo infatigável, 
porque mordeu a alma até aos ossos dela.


(José Saramago)

quinta-feira, 21 de abril de 2011

A Lua no Labirinto



Pouco a pouco e também muito a muito
me aconteceu a vida,
e que insignificante é este assunto:
estas veias levaram
sangue meu que poucas vezes vi,
respirei o ar de tantas regiões
sem guardar para mim uma amostra de nenhum
e afinal de contas já o sabem todos:
ninguém leva nada de seu
e a vida foi um empréstimo de ossos.


O belo foi aprender a não se saciar
da tristeza nem da alegria,
esperar o talvez de uma última gota,
pedir mais ao mel e às trevas.


Talvez fui castigado:
talvez fui condenado a ser feliz.
Fique afirmado aqui que ninguém
passou perto de mim sem me compartir.
E que meti a colher até o cotovelo
numa adversidade que não era minha,
no padecimento dos outros.


Não se tratou de palma ou de partido
mas de pouca coisa: 
não poder viver nem respirar essa sombra,
com essa sombra de outros como torres,
como árvores amargas que o enterram,
como pancadas de pedra nos joelhos.


A tua própria ferida se cura com pranto,
a tua própria ferida se cura com canto,
mas a tua porta mesmo se dessangra
a viúva, o índio, o pobre, o pescado,
e o filho do mineiro não conhece
o seu pai entre tantas queimaduras.


Muito bem, mas o meu ofício
foi a plenitude da alma:

um ai de gozo que te corta a respiração,
um suspiro de planta derrubada
ou o quantitativo da ação.


Eu gostava de crescer com a manhã,
embeber-me de sol, com pleno gozo
de sol, de sal, de luz marinha e onda,
e nesse avanço da espuma
fundou meu coração seu movimento:
crescer com profundo paroxismo
e morrer se derramando na areia.

 
(Pablo Neruda)

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Armadilhas



Vamos combinar que muitas vezes não há mistério algum, vilão algum, nenhuma influência sobrenatural, questão de sorte. A gente sabe que se tocar naquele fio desencapado é choque garantido, como da última vez, mas a gente toca. A gente sabe que certos adubos são infalíveis para fazer a nossa dor crescer, mas a gente aduba. A gente sabe os tons emocionais que desarmonizam a pintura da tela de cada dia, mas a gente escolhe exatamente esses para pintar, mesmo dispondo de outros tantos na nossa caixa de lápis de cor. A gente sabe a medida do tempero e a desmedida, como sabe o sabor resultante de cada uma. Por histórico, a gente sabe a resposta muito antes de refazer a pergunta, mas a gente refaz.
 
Vamos combinar que muitas vezes não há nada de tão imprevisível, de tão inimaginável, muito menos entrelinhas, muito menos mau-olhado. A gente sabe, por memória das andanças, para onde a estrada de certos gestos nos leva, mas a gente segue. A gente sabe no que dá mexer em casa de marimbondo, mas a gente mexe. A gente sabe que não vai receber o que espera, mas a gente oferta sempre pela penúltima vez. A gente sabe que algumas praias são traiçoeiras, que não sabemos sequer nadar direito, que o afogamento é a coisa mais provável de todas, mas a gente mergulha. A gente sabe que a realidade, por mais dura que seja, precisa ser encarada com os olhos mais abertos do mundo, mas a gente inventa todo jeito que pode para desviar o olhar.


Vamos combinar que muitas vezes não há segredo algum, inimigo algum, interrogação alguma, nenhuma entidade obsessora além da nossa autosabotagem. A gente sabe que esticar a corda costuma encolher o coração, mas a gente estica. A gente sabe que nos trechos de inverno é necessário se agasalhar, mas a gente se expõe à friagem. A gente sabe que não pode mudar ninguém, que só podemos promover mudanças na nossa própria vida, mas a gente age como se esquecesse completamente dessa percepção tão sincera. A gente lembra os lugares de dor mais aguda onde já esteve e como foi difícil sair deles, mas, diante de circunstâncias de cheiro familiar, a gente teima em não aceitar o óbvio, em não se render ao fluxo, em não respeitar o próprio cansaço.

Eu pensava em todas essas armadilhas enquanto caminhava na Lagoa, um dia de céu de cara amarrada, um tiquinho de sol muito lá longe, tudo bem parecido comigo naquela manhã. Eu me perguntei por que quando mais precisamos de nós mesmos, geralmente mais nos faltamos. Que estranha escolha é essa que faz a gente alimentar os abismos quando mais precisa valorizar as próprias asas. Como conseguimos gostar tanto dos outros e tão pouco de nós. Eu me perguntei quando, depois de tanto tempo na escola, eu realmente conseguirei aprender, na prática, que o amor começa em casa. Por que, tantas vezes, quando estou mais perto de mim, mais eu me afasto. Eu me perguntei se viver precisa, de fato, ser tão trabalhoso assim ou se é a gente que complica, e muito. Como conseguimos ser tão vulneráveis, ao mesmo tempo que tão fortes. Somos humanos, é claro, mas ser humano é ser divino também.

Eu não tenho muitas respostas e as que tenho são impermanentes, como os invernos, os dias de céu de cara amarrada, os lugares de dor, os abismos todos, o bom uso das asas, os fios desencapados, as medidas e as desmedidas. Tudo passa, o que queremos e o que não queremos que passe, a tristeza e o alívio coabitam no espaço desta certeza. Eu não tenho muitas respostas. O que eu tenho é fé. A lembrança de que as perguntas mudam. Um modo de acreditar que os tiquinhos de sol possam sorrir o suficiente para desarmar a sisudez nublada de alguns céus. E uma vontade bonita, toda minha, de crescer. 

(Ana Jácomo)

"Preciso muito que alguma coisa muito muito boa aconteça na minha vida... alguma coisa, alguma pessoa. 
Acho que tenho medo de não conseguir deixar que o passado seja passado, de aceitar verdades pela metade, de viver de ilusão! 
Eu preciso muito muito deixar acontecer o momento da renovação, trocar de pele, mudar de cor.
Tenho sentido necessidades do novo, não importa o quê, 
mas que seja novo, nem que sejam os problemas. 
Preciso abandonar essa "mania de passado"; retirar os entulhos, deixar a casa vazia para receber nova mobilia! 
Fazer a faxina da mente, da alma, do corpo e do coração! 
Demolir as ruinas e contruir qualquer coisa nova, 
quem sabe um castelo!"


(Caio Fernando Abreu)

In Momento Epifânico-Catártico



"Minha verdade espantada é que eu sempre estive só de ti e não sabia.
Agora sei: sou só. Eu e minha liberdade que não sei usar. 
Grande responsabilidade da solidão.
Quem não é perdido não conhece a liberdade e não a ama.
Quanto a mim, assumo a minha solidão. 
Que às vezes se extasia como diante de fogos de artifício. 
Sou só e tenho que viver uma certa glória íntima que na solidão pode se tornar dor. 
E a dor, silêncio. 
Guardo o seu nome em segredo. 
Preciso de segredos para viver."


(Clarice Lispector)

terça-feira, 19 de abril de 2011

Não te rendas...



Não te rendas, ainda é tempo
De se ter objetivos e começar de novo,
Aceitar tuas sombras,
Enterrar teus medos

Soltar o lastro,
Retomar o vôo.


Não te rendas que a vida é isso,
Continuar a viagem,
Perseguir teus sonhos,
Destravar o tempo,
Correr os escombros
E destapar o céu.


Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio queime,
Ainda que o medo morda,
Ainda que o sol se esconda,
E o vento se cale,
Ainda existe fogo na tua alma.
Ainda existe vida nos teus sonhos.


Porque a vida é tua e teu também o desejo
Porque o tens querido e porque eu te quero
Porque existe o vinho e o amor, é certo.
Porque não existem feridas que o tempo não cure.
Abrir as portas,
Tirar as trancas,
Abandonar as muralhas que te protegeram,


Viver a vida e aceitar o desafio,
Recuperar o sorriso,
Ensaiar um canto,
Baixar a guarda e estender as mãos
Abrir as asas
E tentar de novo
Celebrar a vida e se apossar dos céus.


Não te rendas, por favor, não cedas,
Ainda que o frio te queime,
Ainda que o medo te morda,
Ainda que o sol ponha e se cale o vento,
Ainda existe fogo na tua alma,
Ainda existe vida nos teus sonhos
Porque cada dia é um novo começo,
Porque esta é a hora e o melhor momento
Porque não estás sozinho, porque eu te amo...

(Mario Benedetti)

 

**O poema acima é um canto pelo amor próprio e um dos mais belos legados líricos do escritor que faleceu no ano passado. É um mensagem de incentivo e superação, de companheirismo e paixão e, o melhor, sem ser nada piegas. Mario mantém a sensibilidade da mensagem com a racionalidade de quem precisa se erguer de uma situação ou, pelo menos, não cair de uma vez por todas e ele tem uma estilística muito particular, que conversa com a alma da gente; ele é Benedetti, único e, para sempre o expressivo escritor Latino Americano que conhece magistralmente a condição humana.

O título é de impacto: Não te rendas (título original, No te rindas) faz uma belíssima menção para que o fracasso e a derrota não sejam aceitos, ou melhor dizer: Não se submeta à passividade, seja resiliente em uma situação difícil. O poema clama por uma atitude positiva, pois ainda há tempo de reverter medo em coragem, abandono em amor, lágrimas em sorrisos. Existirão fases de dificuldades como os invernos da vida, a escuridão da solidão, mas serão somente fases. A alma cheia de sonhos ainda estará aqui.**
  

"Quem acredita sabe encontrar... Não garanto que foi feliz para sempre, mas o sorriso (...) era lindo quando pensou todas essas coisas..." (Caio Fernando Abreu)



Ando com tanta vontade de ser feliz
Aprendi que a gente não se deve acostumar com a dor,
a gente até pode, mas não deve. 
Como outras coisas nessa vida:
Aprendi que o primeiro clarão do sol

faz as sereias irem de volta pra casa.
E que ficar de mal dura apenas até a vontade de riso.
Que saudade é um aperto bem no meio do seu sossego.
E abraço é também morada pro coração.
Que carregar sonhos faz bem pra gente, 
mas que se esquecê-los, acontecem mais rápido.
Que um sopro não apaga só uma vela. 
Um sopro reacende o que for pra ficar.
Que coisas pequenas ficam grandes quando olhadas com olhos de dentro.
Que sentir pouco é muito e que uma pessoa,
só uma pessoa no meio de bilhões, muda tudo.
Vou plantar um pé de bolha de sabão no meu quintal,
Pra levar esse mundo dentro de uma bolha
Ou então sair por ai flutuando levinho...


(Vanessa Leonardi)

1º Selo - mais que especial!!!





Que SELINHO MAIS LINDO, ganhei da Cris!!!  
Muito Obrigada, Querida! 
Pelo seu reconhecimento, visita constante em meu blog e por partilharmos dessa alma poética, muitas vezes inquieta que faz da arte de escrever, uma forma de exteriorizar maravilhas e cessar a febre do sentir. 
E PARABÉNS por esse 1º ano de muitos vindouros de blog e desse "Olhar Caleidoscópio" que registra tudo e é a porta de sua alma iluminada!
Que continuemos assim, luzeiros do saber, do sentimento e do entendimento a ser passado adiante!

segunda-feira, 18 de abril de 2011

 
"Não temos culpa. Tentei. Tentamos."

(Caio Fernando Abreu)

Quem de Nós dois...



♫♪...Eu e você
Não é assim tão complicado
Não é difícil perceber...

Quem de nós dois
Vai dizer que é impossível
O amor acontecer...

Se eu disser
Que já nem sinto nada
Que a estrada sem você
É mais segura
Eu sei você vai rir da minha cara
Eu já conheço o teu sorriso
Leio o teu olhar
Teu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso...

Sinto dizer que amo mesmo
Tá ruim prá disfarçar
Entre nós dois
Não cabe mais nenhum segredo
Além do que já combinamos

No vão das coisas que a gente disse
Não cabe mais sermos somente amigos
E quando eu falo que eu já nem quero
A frase fica pelo avesso
Meio na contra mão
E quando finjo que esqueço
Eu não esqueci nada...

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais
E te perder de vista assim é ruim demais
E é por isso que atravesso o teu futuro
E faço das lembranças um lugar seguro...
Não é que eu queira reviver nenhum passado
Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída
Acabo entrando sem querer na tua vida

Eu procurei qualquer desculpa pra não te encarar
Pra não dizer de novo e sempre a mesma coisa
Falar só por falar
Que eu já não tô nem aí pra essa conversa
Que a história de nós dois não me interessa...
Se eu tento esconder meias verdades
Você conhece o meu sorriso
Lê o meu olhar
Meu sorriso é só disfarce
O que eu já nem preciso...

E cada vez que eu fujo, eu me aproximo mais
E te perder de vista assim é ruim demais
E é por isso que atravesso o teu futuro
E faço das lembranças um lugar seguro...
Não é que eu queira reviver nenhum passado
Nem revirar um sentimento revirado
Mas toda vez que eu procuro uma saída
Acabo entrando sem querer na tua vida... ♫♪

"Tem paciência com tudo não resolvido em teu coração e tenta amar as perguntas em ti, como se fossem quartos trancados ou livros escritos em idioma estrangeiro. Não pesquises em busca de respostas que não te podem ser dadas, porque tu não as podes viver, e trata-se de viver tudo. Vive as grandes perguntas agora. Talvez, num dia longínquo, sem o perceberes, te familiarizes com a resposta."

(Rainer Maria Rilke)

domingo, 17 de abril de 2011

 

"Mas se eu gritasse uma só vez que fosse, talvez nunca mais pudesse parar. Se eu gritasse ninguém poderia fazer mais nada por mim; enquanto, se eu nunca revelar a minha carência, ninguém se assustará comigo e me ajudarão sem saber; mas só enquanto eu não assustar ninguém por ter saído dos regulamentos. Mas se souberem, assustam-se, nós que guardamos o grito em segredo inviolável. 
Se eu der o grito de alarme de estar viva, em mudez e dureza me arrastarão pois arrastam os que saem para fora do mundo possível, o ser excepcional é arrastado, o ser gritante."

(Clarice Lispector - A Paixão Segundo G.H.)

Coração Primaveril

  Das invernais madrugadas não me recordo mais. Senhor dos tempos da ventura despiu-me de toda a névoa, vestiu-me de amanhecer...