Sei de cor o som do seu corpo, sei a textura de suas páginas mais azuis, sei os peixes de sua voz e quais suas janelas não se abrem, sei a umidade de seu chão, sei as paredes de sua chuva. Sei a lua em seu umbigo, sei suas vírgulas se fazendo caminho para o que não sei e a rouquidão específica de cada um dos seus silêncios e a ruptura dos seus pensamentos quando me envio em leve vento fazendo-me grafia invisível em sua nuca, sei a mobília de seus olhos e os ruídos das suas aldravas, sei a sutil ranhura de seus dentes em meu cansaço, sei a alvura extrema de sua ante-sala e a nódoa que impede minha fala, sei a acústica de todo o seu corpo suando enquanto dorme sonhando o mapa evanescente dos meandros do miolo de seu rumoroso ser em carne viva. Pois aqui estou, metafórico e físico, encordoado na imagem do seu grito, sabendo que não sei, falando o infalável, aqui estou, fora de qualquer casa, dentro de qualquer casa, caminhável, caminhante, quase transitivo, quase permitindo que as palavras me digam, quase sendo as palavras, quase sendo o que não digo, aqui estou, não redigindo a carta que me pediu, em que falaria de mim e só de mim, aqui estou, redigindo o seu corpo, fazendo do seu corpo palavra, ainda que sabendo que nem mesmo nas palavras pode um homem banhar-se outra vez no mesmo rio.
(Wesley Peres, in: Casa entre Vértebras)
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